Solo, o novo disco de André Siqueira que acaba de sair pela produtora e gravadora Kuarup, marca o reencontro do compositor e multi-instrumentista com sua própria trajetória, reunindo arranjos feitos ao longo dos anos para músicas que marcaram a sua e a nossa memória afetiva. Além dos arranjos inéditos, o álbum traz uma variação de timbres graças à utilização de dois instrumentos parecidos, porém distintos: o violão de seis cordas e o violão barítono, ambos construídos pelo luthier londrinense Nilson De Mari.

 

Com eles, André Siqueira registra arranjos próprios para obras de Edu Lobo, João Pernambuco, Marlos Nobre, Jacob do Bandolim, Djavan, Elpídio dos Santos, Guinga, Tom Jobim, Pixinguinha e Chico Mário. A diferença entre os dois violões é percebida já na faixa de abertura, Mamãe Oxum (domínio público), arranjada para valorizar os silêncios, importantes nas religiões afro-brasileiras, das quais a canção é representante, mas também ideais para o tempo do violão barítono, mais grave e mais lento. Por isso, também, soa mais delicado.

 

Com um som encorpado e cheio de harmônicos, o violão barítono exige um toque mais calmo para não embolar o som. Seu timbre ajudou a recriar várias músicas: Senhorinha (Guinga/Paulo César Pinheiro), Oceano (Djavan), Ressurreição (Chico Mário) e a Cantiga do Ciclo Nordestino (Marlos Nobre), que ganharam novas cores. Cada música do repertório conta uma história. Oceano, por exemplo, foi arranjada quando André Siqueira tinha por volta de 15 anos e tocava de uma forma totalmente diferente. 

 

O trabalho reúne diferentes fases do trabalho de André Siqueira como arranjador, tendo a improvisação como fio condutor. “Os arranjos são todos frutos de improviso” ressalta. Praticamente todas as faixas abrem espaço para o improviso, que aparece também como recurso para a composição. Toda a Suíte da Estrela Guia, com os movimentos Ouro, Mirra, Incenso e Flor, é resultado da improvisação livre. André Siqueira compôs as quatro faixas no estúdio, durante a gravação. As ideias improvisadas mantiveram a coerência de uma única obra.

 

Com o repertório na ponta dos dedos, o processo de gravação foi rápido e fluido. No estúdio Rio Abaixo, do violeiro Gustavo Guimarães, em Belo Horizonte, “Eu já estava preparado, já vinha estudando o repertório, então foi muito produtivo. Foi tudo muito fluido e acho que isso se reflete no disco”, comenta o instrumentista. Na época, ele estava concorrendo ao Prêmio Chico Mário de Violão com a música Ressurreição (Chico Mário), arranjada para o violão barítono. Mesmo entrando na competição de última hora, André Siqueira ficou em terceiro lugar.

 

O Morro Não Tem Vez (Tom Jobim/Vinícius de Moraes), foi arranjada em 1998 para uma disciplina do Curso de Música na Universidade Estadual de Londrina, onde André Siqueira é, hoje, professor. A seleção do repertório e a opção pelo violão solo é fruto da maturidade com que o instrumentista enxerga a própria produção. Solo é o quarto disco de André Siqueira, autor de Lithos (2008), Catamarã (2016) e Afternoon Improvisations (2014), em parceria com o violonista Camilo Carrara. São registros em duos, trios e quartetos. “Tocar solo é sempre um desafio. Finalmente eu tive maturidade para gravar um trabalho sozinho”, revela o músico.

 

Autodidata no instrumento, André Siqueira tem um jeito peculiar de tocar. Por vezes, acaba incorporando a técnica de outros instrumentos ao violão. É o caso da mão esquerda, bastante habituada à guitarra. Ou da mão direita, cujo dedilhado utiliza o dedinho, ampliando os recursos. “Eu fui me descobrindo violonista aos poucos. Eu acompanhava, compunha, mas não havia assumido muito essa vertente”, explica. O violão foi conquistando espaço e desde 2006 ganhou dedicação quase exclusiva, com estudos diários.

 

A proximidade com o instrumento ajudou a selecionar um repertório que, mesmo difícil de tocar, é confortável para o intérprete. “A música tem que ser gostosa de tocar, eu uso isso quase como um critério maior. Eu não toco o que eu não gosto”, afirma. É uma decisão que também aproxima o ouvinte. Solo é um disco acolhedor, bom de ouvir, enriquecido pelas diferenças de timbre entre os dois violões. 

 

Discos solos de violão costumam ser sisudos e introspectivos, mas André Siqueira conseguiu abrir o repertório para o ouvinte. O conforto proporcionado é intencional. Em tempos de conflitos generalizados e excesso de informação, Siqueira lança um disco afetivo, familiar e aconchegante. “Estudamos tanta coisa… Parece que estamos querendo provar para o mundo que podemos tocar coisas muito difíceis. Mas a música acontece quando você está relaxado, numa fluência maior”, resume. “Se a pessoa ouvir e se desligar do mundo por dois minutos, isso já faz bem”. Situado no limite entre o erudito e o popular, Solo vem enriquecer a linha evolutiva do violão brasileiro com um trabalho delicado, de timbre surpreendente, sintonizado com os sentimentos de quem ouve.

 

Músicas

  1. Mamãe Oxum

    Intérprete: André Siqueira Autoria: Dominio Publico

  2. Dança do Corrupião

    Intérprete: André Siqueira Autoria: Edu Lobo, Paulo César Pinheiro

  3. Suite da Estrela Guia - Ouro

    Intérprete: André Siqueira Autoria: André Siqueira

  4. Suite da Estrela Guia - Mirra

    Intérprete: André Siqueira Autoria: André Siqueira

  5. Suite da Estrela Guia - Incenso

    Intérprete: André Siqueira Autoria: André Siqueira

  6. Suite da Estrela Guia - Flor

    Intérprete: André Siqueira Autoria: André Siqueira

  7. Sons de Carrilhões / Prelúdio da Suíte, BWV 998

    Intérprete: André Siqueira Autoria: JS Bach, João Pernambuco

  8. Cantiga - Do Ciclo Nordestino I

    Intérprete: André Siqueira Autoria: Marlos Nobre

  9. Feia

    Intérprete: André Siqueira Autoria: Jacob do Bandolim

  10. Intérprete: André Siqueira Autoria:

  11. Você Vai Gostar

    Intérprete: André Siqueira Autoria: Elpidio dos Santos

  12. Senhorinha

    Intérprete: André Siqueira Autoria: Guinga, Paulo César Pinheiro

  13. O Morro Não Tem Vez

    Intérprete: André Siqueira Autoria: Tom Jobim, Vinicius de Moraes

  14. O Rasga

    Intérprete: André Siqueira Autoria: Pixinguinha

  15. Ressurreição

    Intérprete: André Siqueira Autoria: Chico Mário