
Dignidade
Gênero: MPBO álbum Dignidade é de uma riqueza sonora imensa. O disco de estreia do cantor e compositor João de Ana sai pelo selo Lobo Kuarup, parceria do violeiro Chico Lobo com a gravadora e produtora Kuarup, trabalho já disponível nas plataformas digitais e no formato físico. Natural de Pedra Azul, no Vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, o artista transita com naturalidade pela música com as influências regionais, da MPB, da música mineira e pelo melhor do rock rural. São searas que lhe dão esse ar de cantar a aldeia, de levar e conectar com a atualidade e os grandes centros urbanos. A amizade é um sentimento constante em sua música, tratada de forma primordial, com belas letras poéticas, criação que se espera de um artista que já nasce em uma terra tão especial e que não nega suas influências e suas heranças.
O álbum traz sonoridade forte, pulsante moderna e lírica, cheira a sertão quando dialoga com a viola, tem sabor de seresta e música de câmara na presença de belíssimos violoncelos e acordeom. Atrás vem a pulsação forte das baterias, violões, guitarras, baixos e teclados, que apresentam o melhor de um rock com pé na poeira da estrada e ainda a forte influência do som do movimento Clube da Esquina. João de Ana esbanja musicalidade e humildade nesse seu primeiro trabalho Intitulado Dignidade. A canção que dá nome ao seu primeiro álbum nasce de uma conversa dura entre ele e um amigo, em relação a sua caminhada na música, em prosseguir frente a tantas dificuldades. A composição é um diálogo do artista com ele mesmo. O disco traz este título por expressar nas canções o conceito que seu nobre pai ensinou: se entregar ao trabalho com qualidade e dignidade, mostrando a grandeza e a profundidade da transmissão dos valores.
A produção musical impecável de Ricardo Gomes e belos vocais se juntam a voz forte e de uma bela textura de João de Ana. As participações especiais são de Chico Lobo com sua viola e da cantora Bárbara Barcelos, na releitura de Banco de Feira, obra da Banda de Pau e Corda, que soa como um tributo a esse grupo fabuloso que marca até hoje gerações de artistas. Chico Lobo, que incentivou o artista a lançar seu primeiro trabalho diz: “Parabéns a esse belo artista por debutar no mercado fonográfico de forma tão precisa e carregada de conteúdo”. “Dignidade, de João de Ana, merece ser ouvido com atenção e ser degustado como um bom café da roça!”.
Texto de Sérgio Andrade da Banda de Pau e Corda
Fui apresentado ao trabalho musical de João De Ana pelas mãos do garimpeiro de artistas, violeiro dos bons e grande amigo Chico Lobo, que revelou essa preciosidade ouvindo talentos no Vale do Jequitinhonha, mais precisamente na cidade de Pedra Azul. Do Vale já foram extraídas grandes riquezas que abrilhantam a música popular brasileira como Rubinho do Vale, Paulinho Pedra Azul, Saulo Laranjeira, Déa Trancoso, Tadeu Franco, Gonzaga Medeiros, só para citar alguns. Então podemos acrescentar mais uma estrela nessa constelação, e essa estrela tem nome: João De Ana. Nesse disco, pode-se sentir claramente que João buscou nas entranhas do Vale a sua inspiração com músicas sempre muito bem alinhavadas com as letras, harmonias bem construídas e sofisticadas, o que é bem característico das músicas feitas em Minas Gerais a partir do início do movimento Clube da Esquina. Com muita eficiência, musicalidade e poesia, apresenta um trabalho consistente, belo, universal. Nesse disco de doze canções, onze são de sua autoria, sendo algumas em parceria.
Uma das músicas que me chamou atenção e a única que não tem autoria de João é Banco de Feira, uma das canções mais emblemáticas da Banda de Pau e Corda, de autoria de Waltinho e Roberto Andrade, foi gravada lindamente com um arranjo totalmente diferente da gravação original. Confesso que fiquei sem fôlego quando ouvi, perplexo com esse novo e extraordinário arranjo, ainda mais com a participação da Bárbara Barcellos, cantora que admiro desde sempre e detentora de uma das vozes mais lindas e afinadas da nossa música brasileira. Não posso também deixar de falar da participação luxuosíssima do próprio Chico Lobo com sua inconfundível viola, o que dá ao trabalho o sotaque mais mineiro, um virtuoso no instrumento, capaz de elevar o nível de qualquer projeto musical. Parabéns ao João De Ana, espero que possamos um dia dividir um metro quadrado de palco cantando juntos, para brindarmos a vida, a música, Minas Gerais e Pernambuco.
Faixa a faixa
Canção do Vale (João de Ana/Gilberto Guimarães): essa música nasceu depois de um dia muito especial no qual eu, Gilberto Guimarães e Zé Henrique falávamos sobre o vale. Durante a noite, entre um café e uma taça de vinho, peguei o violão, mudei a afinação e comecei a fazer uma brincadeira no instrumento. O Gilberto me perguntou: “Que música é essa?” Eu disse: “Ainda não é uma música. É só uma brincadeira no violão.” Então Gilberto começou a escrever, e eu cantarolava a melodia que logo viraria a nossa tão especial Canção do Vale. Foi assim! Nasceu tudo junto.
Minas Canções (João de Ana/Zé Henrique): durante um bom tempo, eu e meu parceiro Zé Henrique circulamos pelo litoral do extremo sul da Bahia fazendo shows na região. Depois de uma bela prosa com o Sr. Jomar Ruas, pai do Zé, sobre o trem que ligava Minas Gerais ao mar, veio a inspiração pra essa joia. Cheguei de tardezinha no apartamento do parceiro Gilberto Guimarães e encontrei o Zé com o violão na mão fazendo os primeiros acordes da canção. Ele me convidou para ajudar na construção dessa composição.
Cantador do Tempo (João de Ana/Gilberto Guimarães): em uma manhã daquelas de pura alegria e felicidade, eu e meu parceiro Gilberto Guimarães saímos para tomar um chá. Caminhando abraçados pelas ruas de Teixeira de Freitas, na Bahia, começamos a cantarolar algo, que logo se transformaria numa bela canção. Gilberto traz da memória viagens pelo velho mundo, lembranças de uma busca pelo porto seguro. Traz também a incerteza do cantador e a alegria de encontrar com o povo para fazer aquela roda como aquelas dos cantadores dos festivais, para celebrar a canção e o amor.
Sinfonia (João de Ana/Zé Henrique/Gilberto Guimarães): em uma prosa com o amigo Zé, falávamos das coisas simples da infância que nos enchia de prazer e alegria como sair pelo mato buscando novos sabores de frutos do sertão, do contato com a natureza, do tomar água na bica e das festas que aconteciam nas fazendas. Essa infância tão rica nos deu os elementos para compor essa canção. Estávamos na reta final e o Gilberto nos presenteou com os versos finais.
Dignidade (João de Ana): essa canção nasceu depois de uma fala muito dura de uma pessoa. Falando a respeito do mercado, idade e dinheiro, onde, na visão dessa pessoa, eu não teria mais nenhuma chance. Dizia que era melhor pendurar a viola e partir para o ramo da construção civil. Doeu muito, mas foi naquela noite que nasceu a canção que iria me trazer a alegria de seguir em frente, honra, oportunidades e, principalmente, respeito ao meu trabalho. Aprendi ainda na infância com o meu pai que música é algo especial, que precisamos tratar com respeito e amor, que as pessoas que nos presenteiam diariamente, seja com belas canções ou qualquer coisa que traz na sua essência a nobreza. Isso é honrar tudo que aprendi com meu pai.
Cantador de Lua Cheia (João de Ana/Voltaire Lemos): voltei para Minas Gerais e em uma daquelas noites de música ao vivo nos bares da vida, chega o querido poeta Voltaire Lemos. Toquei uma antiga parceria nossa: Das Horas de Minas. Vi os olhos do amigo lacrimejando de tanta emoção e alegria. Veio o tão esperado intervalo, logo nos abraçamos e começamos botar a prosa em dia. Ele pegou umas letras e me entregou. Dei uma olhada, e disse que ia ver com carinho. Em casa eu pude observar melhor, e logo que bati os olhos na letra de Cantador de Lua Cheia, me vi nos festivais. Peguei o violão e fiz essa canção. Só mostrei para o meu parceiro depois da gravação oficial, ele ficou muito feliz com o resultado.
Donana (João de Ana): uma música que me leva para o colo da minha mãe. Fiz essa canção quando estava morando na Bahia. Estava com muita saudade da minha mãe e preocupado, pois ela estava com a saúde muito frágil. Em noite de muita saudade, peguei o violão e o caderninho e comecei. Foi muito intenso, pois eu sentia o cheiro dela, o cheiro da infância, ela que com muito amor plantava, cuidava, colhia, secava, torrava, moía e preparava o maravilhoso café. Quando terminei a canção, estava em prantos. Chegou o dia de visitar dona Ana, cheguei em Pedra Azul e fui logo abraçar e beijar a minha mãe. Depois daquela emoção do encontro, peguei o violão e cantei para ela essa canção. Os olhos dela brilhavam com aquele amor que só quem é mãe sabe. E disse com voz de calmaria que, se pudesse, saía dançando, pois os pés já estavam mexendo. Essa canção celebra o amor e saudade daquela mulher incrível, dona Ana, minha mãe amada. In memorian.
Tão Pouco Caso (João de Ana/Roberta Vargas): uma muda de jasmim foi levada de Sacramento para Pirapora, ambas cidades de Minas Gerais, onde foi plantada. Ela cresceu, deu flores, sombra, perto de uma janela da casa, onde servia quase como cortina, impedindo o sol forte dentro do quarto. Passaram alguns anos e para surpresa de todos, cortaram o jasmim. Foi uma tristeza. Depois desse episódio triste, nasceu a música. Uma viagem no tempo, trazendo à memória as coisas vividas ali, o barulho do rio, os bois pastando pertinho da casa. A música é um consolo para aliviar a tristeza de não ter mais o jasmim naquela janela.
Felicidade de Amigo (João de Ana): essa canção nasceu depois de um show na Serra do Cipó. Logo após o espetáculo foi servido um jantar. Abri uma garrafa de vinho, bebendo sozinho e sentindo muita saudade dos meus amigos. Fui dormir e bem cedinho apareceram na janela vários pássaros cantando, uma coisa linda. Peguei o violão, caderno e comecei a compor. Logo que terminei fui tomado de uma grande emoção.
Banco de Feira (Sérgio Andrade/Waltinho): uma pérola da Banda de Pau e Corda, composta por Sérgio Andrade e Waltinho. Eu já tinha gravado todas as músicas do álbum Dignidade, quando falei com o Chico Lobo que eu gostaria de gravar essa música no próximo álbum, visto que em várias apresentações muita gente me perguntava se essa música era minha. Logo começamos a fazer contato com a turma para gravar a canção que tem as participações do Chico Lobo e de Barbara Barcelos. Uma melodia que me leva para infância, quando eu ia com meu pai para feira e ficava encantado com aqueles artistas que se apresentavam ali. Meu pai, Sr. Valdívio, até hoje tem uma banca na feira, lá em Pedra Azul.
Sempre Que Amanhece (João de Ana/Raul Mariano): em 2017 eu estava um pouco desanimado com a cena musical e as dificuldades para gravar as canções. No dia 07/07/2017 fiz a música e mandei para o amigo Raul, falei para ele da situação, e que sonhava com a liberdade de poder seguir a jornada de forma mais tranquila, onde pudesse fazer o trabalho fluir. Ele fez a letra e me mandou. Logo gravei no celular e mandei de volta. Ele acrescentou a segunda parte e finalizamos essa canção. Foi muito importante aquele dia, deu novo ânimo, tanto que em 2018 já estava nos palcos dos festivais novamente, onde fiquei em segundo lugar com Minas Canções.
Sonhei Que Estava em Pedra Azul (João de Ana): ainda na adolescência, tive a oportunidade de conviver com os músicos mais maduros na minha cidade em grupos de seresta e bandas de baile. Foram tempos bons onde fiz amizades e aprendi muito. Depois de anos tocando em banda de baile resolvi voltar às minhas raízes, minha origem, minha aldeia. Essa canção nasceu dentro desse contexto e surgiu depois de um sonho que me levou de volta àquela paisagem, o pôr do sol e amigos queridos lá do começo da caminhada, que traz aquela lembrança dos bons tempos que vivi ali: meu pai indo cedinho para a feira, as coisas da roça, a infância linda naquele lugar. Me leva para dentro das canções do Paulinho Pedra Azul e para onde mora o amor.
Sobre João de Ana
Nascido em 31 de janeiro de 1973 em Pedra Azul, cidade do nordeste do estado de Minas Gerais, João Alves dos Santos é filho de Valdívio Alves dos Santos e Ana das Neves Santos. Começou seus primeiros passos na música ainda na infância, quando aprendeu os primeiros acordes com seu pai. Na década de 80, já na adolescência, começou a fazer suas primeiras apresentações musicais pelas fazendas próximas a Pedra Azul. Tocou em grupo de seresta chamado Delírios. Nos anos 90, fez parte de várias bandas de baile, como o grupo musical Sol Nascente, que depois seria a Banda Nascente, onde apelidaram o João de Johnny. Nessa mesma época, mudou para Montes Claros (MG), onde participou da Banda Nossa Show e do Baião de Dois. No início dos anos 2000 iniciou o duo Johnny e Roberta em Montes Claros, fazendo releituras dos grandes clássicos da MPB. Em 2007 João se juntou ao compositor Zé Henrique Ruas, e a convite do Zé, se mudou para a Bahia. Fizeram vários projetos musicais, com destaque para a coletânea Cá Entre Nós de Minas. Ainda na Bahia, João se juntou ao poeta Gilberto Guimarães. Os dois compuseram várias músicas juntos. Depois de um tempo, João retornou para Minas Gerais, na cidade de Lagoa Santa, onde mora atualmente. Não demorou muito e começou novas parcerias com Raul Mariano, Voltaire Lemos e Hendrick Souza entre outros. Foi convidado pela atriz e contadora de histórias, Alessandra Visentin, para compor canções e preparar espetáculos com contação de histórias e música. Além do trabalho solo, é fundador do Pé de Forró, projeto que mistura o forró pé de serra com clássicos da MPB. Foi vice-campeão do Festival da Canção de Lagoa Santa em 2018 com Minas Canções e campeão do Festival da Canção de Lagoa Santa em 2019 com Dignidade. Já durante a pandemia, João foi convidado para compor uma música para uma tese de doutorado, em parceria com a doutora Marinete Fraga, que deu o título da canção Sem Nós. Em 2018, 2019, 2020, circulou pelo litoral do extremo sul da Bahia e Espírito Santo com o show Cores do Brasil.
Músicas
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Canção do Vale
Intérprete: João de Ana Autoria: Gilberto Guimarães, João de Ana
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Minas Canções
Intérprete: João de Ana Autoria: João de Ana, Zé Henrique Ruas
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Cantador do Tempo
Intérprete: João de Ana Autoria: Gilberto Guimarães, João de Ana Participações: Chico Lobo
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Sinfonia
Intérprete: João de Ana Autoria: Gilberto Guimarães, João de Ana, Zé Henrique Ruas
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Dignidade
Intérprete: João de Ana Autoria: João de Ana
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Cantador de Lua Cheia
Intérprete: João de Ana Autoria: João de Ana, Voltaire Lemos Participações: Chico Lobo
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Donana
Intérprete: João de Ana Autoria: João de Ana
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Tão Pouco Caso
Intérprete: João de Ana Autoria: João de Ana, Roberto Vargas
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Felicidade de Amigo
Intérprete: João de Ana Autoria: João de Ana
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Banco de Feira
Intérprete: João de Ana Autoria: João de Ana Participações: Bárbara Barcellos, Chico Lobo
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Sempre Que Amanhece
Intérprete: João de Ana Autoria: João de Ana, Raul Mariano
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Sonhei Que Estava Em Pedra Azul
Intérprete: João de Ana Autoria: João de Ana