Novo disco da dupla de Embu das Artes, cidade da Grande São Paulo, sucede álbum de estreia, que faz homenagem a Pena Branca e Xavantinho, e chega exclusivamente às plataformas digitais com as participações de Wandi Dorattioto, Paulinho Del Ribeiro e Chico Lobo mesclando composições próprias a inovadoras releituras de sucessos da música caipira

A dupla Élcio Dias e Amorim está lançando com distribuição pela Produtora e Gravadora Kuarup, exclusivamente para as plataformas digitais, o segundo álbum da carreira: Cantiga de Sonhos. Professor e vice-diretor de escolas de tempo integral, Dias e Amorim são desde a adolescência artistas educadores engajados em prol da cultura popular e das tradições brasileiras como a congada, a folia de reis e o pagode de viola. Em defesa desta bandeira, constantemente promovem rodas de viola e outros eventos de resgate, de preservação e de divulgação da música regional e, em especial, de sua vertente caipira, a partir da Estância Turística de Embu das Artes (onde residem e trabalham) e seus arredores, colaborando diretamente para a valorização de nossas raízes profundas e para a formação de novos públicos. 

Élcio Dias e Amorim declaram: a preservação das tradições ligadas ao universo artístico no qual e pelo qual militam mantém bens tecnológicos e culturais, construídos por gerações, e ajuda na evolução do povo. Um povo sem memória também tem alma vazia, emendam. Depois de Cornélio Pires (1884-1958) e sua turma, patriarcas que representaram nas décadas iniciais do século XX com categoria incomum a pioneira geração de artistas caipiras, e da segunda, encabeçada por Tião Carreiro, Tonico & Tonico, Zico & Zeca, Vieira & Vieirinha, entre outros, atualmente poucos cantores e compositores se propõem a fazer e a divulgar “esse velho, belo e judiado gênero musical brasileiro”. Incansáveis guardiões como Inezita Barroso (1925-2015), Zé Coco do Riachão (1912-1998) e Rolando Boldrin (1936-2022) sempre se recusaram à adesão ao modismo. Em vida, ajudaram a construir uma obra monumental dentro deste universo. Vestem esta camisa ainda ou deram sangue por ela Renato Andrade (1932-2005), Renato Teixeira, Almir Sater, Jackson Antunes, Chico Lobo, Téo Azevedo, Saulo Laranjeira, Paulo Freire, Roberto Corrêa, Ivan Vilela e tantos outros que toparam dar forma e voz a uma terceira linhagem de caipiras, adubando as sementes lançadas por Pires. 

Élcio Dias e Amorim tocam e cantam desde crianças e como dupla a partir de 2019, com sensibilidade e admiração também cultivam a essência da beleza e a simplicidade deste gênero da música popular brasileira. Os moços caminham para se tornarem orgulho de Embu das Artes, a cerca de 40 quilômetros de São Paulo, cidade que integra a macrorregião socioeconômica conhecida por Região Metropolitana de São Paulo. Bastante procurada por seu patrimônio arquitetônico, a oferta de móveis rústicos, atrações e manifestações gastronômicas, mas também artesanais e culturais, é repleta de lendas, causos e históricas que vêm atravessando gerações, saberes que Élcio Dias e Amorim captaram e cujos conteúdos recolheram e trouxeram para sua obra de estreia.  Seja já por antecipada gratidão, mas com certeza por amor a Embu das Artes, o município está cuidadosamente retratado no primeiro álbum dos músicos, também lançado pela Kuarup, em 2020. Élcio Dias e Amorim cantam Pena Branca e Xavantinho traz logo na capa e em diálogo com o repertório referências locais como o Museu de Arte Sacra e elementos folclóricos ali consagrados, pintados sobre encomenda por Silvia Maia para o projeto. 

A artista plástica embuense incluiu uma dupla de violeiros, ao lado de uma moça. Personagem central de uma das famosas lendas, de vestido vermelho, ela acende um candeeiro, lamparina de rua que remonta ao nostálgico tempo dos lampiões a gás, época na qual Embu das Artes ainda era calçada por paralelepípedos e sequer tinha energia elétrica; apesar de suas carências atuais não apresentava, portanto, o marcante perfil de polo comercial e de serviços que hoje a caracteriza e a torna um dos principais destinos do Circuito Paulista Taypas de Pilão — rota que oferece para visitação bens históricos nacionais, tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e que inclui, ainda, Barueri, Carapicuíba, Cotia, Santana do Parnaíba e São Roque.

O foco do projeto deixa de ser a identificação e o sentido de pertencimento de ambos com e apenas a Embu das Artes e em Cantiga dos Sonhos introduz Élcio Dias e Paulo Amorim na cena nacional. Agora devidamente caracterizada na nova capa, a dupla toca viola e violão e se destaca ao lado de marcantes símbolos do folclore brasileiro: sob coloridos varais volpianos de bandeiras de papel e uma típica fogueira junina, lá estão inseridos e dividem o mesmo quadro o Saci Pererê, a Vitória Régia e o Boto Cor de Rosa, representados em técnica gray scale pelo estudante Dener Cipullo Santos, artista plástico de 23 anos, ex- aluno de Dias na EE General Carlos, convidado como a conterrânea Silvia Maia foi há dois anos especialmente para abrilhantar o segundo disco. Desta forma, também se abrirá para Dener uma vitrine que exporá seu talentoso traço, gesto da dupla que evidencia mais uma característica da ânima caipira: a generosidade que há no coração desta gente solidária, que se agarra à fé e ao próprio suor com denodo para tentar driblar os desaventos, revelando uma fortaleza moral e uma garra que nada têm a ver com o estereotipado “jeca” e muito menos com o indolente capiau lobatiano. Ah, sêo doutor, me dê licença, vai ouvindo, vai ouvindo, Euclides da Cunha não errou: Gonsalins, Riobaldos, Fabianos, e Sinhás Vitórias, ainda que por malfadada sina dos céus  venham a ser compendiados, são antes de tudo fortes. E não há Brasil sem eles!

O álbum Cantiga de Sonhos traz faixas autorreferentes, costuram várias alusões entre si. E Élcio Dias e Amorim também já não cantam e tocam sem acompanhamento de outros músicos como ocorreu no tributo a Pena Branca e Xavantinho. Com participações especiais aparecem os declamadores Wandi Dorattioto e Paulinho Del Ribeiro, mais o violeiro mineiro Chico Lobo. Além destes ilustres convidados, uma afinada e entrosada banda ajuda os autores a conduzirem o seleto repertório de quatro canções autorais mescladas a sete consagrados sucessos pinçados do rico cancioneiro do país, apresentados com arranjos e interpretações inovadores que vão surpreender e agradar os amantes da boa música. Sinais de parênteses se fazem necessário: aqui falamos de ritmos e gêneros delineadores da identidade nacional que (ainda bem!) não interessam à baronagem do mercado fonográfico, pois passam ao largo das concessões e das manjadas fórmulas dominantes, onde a estética artística e a diversidade interessam pouco e são esvaziadas em trabalhos de gosto duvidoso, pasteurizado e sofrível.   

Com Élcio Dias (voz e violão nylon) e Amorim (voz e viola caipira), a banda reúne: Heder Cardoso (bateria); Vag Silva (baixos); Ricardo Branco (violões e backing vocal); Edynho Bertolin (teclados); Gabriel Dias Ziglio (viola caipira, percussão/EFX e backing vocal); Duda Marsola (violão nylon) e Guilherme Cunha (backing vocal).  Cantigas de Sonhos foi Produzido no Estúdio Clay, Mixado no Estúdio Trifolium Music por, Gabriel Dias Ziglio, Direção Musical

Gabriel Dias Ziglio e Ricardo Branco, Masterizado no ENG Estúdio, por Ernani Napolitano.

Faixa a faixa

Cantiga de Sonhos (Élcio Dias): faixa título do novo álbum de Élcio Dias e Amorim, relata passagens da vida de Dias. Terminada por ele em 2001 depois de algum tempo sendo escrita, cita, por exemplo, a expectativa que o compositor nutria quando estava para receber a visita do avô materno residente na cidade de Taiobeiras — situada no Norte do estado de Minas Gerais, na divisa com a Bahia, onde Seu Tico (Henrique Dias Barbosa) segue firme e encarando o pesadão em seu ofício de pedreiro do alto dos seus 84 anos. Recebê-lo era uma ocasião sempre comemorada e ansiada entre os Dias, conforme expresso no verso “Avistava no fim do horizonte, chegando de terra distante, balaio de prosas e causos, o avô que era tão esperado”.

A letra de Cantiga de Sonhos homenageia além do avô materno o pai de Élcio, Edson Silva Souza, que segue fazendo tudo o que pode para ajudar os atuais parceiros musicais a se afirmarem na carreira, o que faz em relação ao filho desde muito cedo. Tal qual o obstinado Francisco encarnado pelo ator Ângelo Antônio na trama de Breno Silveira (que chegou aos cinemas em 2005), o fã número 1 acompanha todas as apresentações da dupla onde quer que elas rolem. O senhor Dias, entre outras “loucuras”, encara estradas dividindo o volante e as despesas quando pintam viagens e se acaso não estivéssemos no auge da era da tecnologia também gastaria tudo o que tivesse em fichas de telefone. Não perde nem mesmo ensaios  tamanha é a sua determinação em incentivar os músicos.

Élcio Dias também evoca o período durante o qual tocava em bares à noite e vivia altos e baixos que terminam por afastá-lo do convívio com os pais, irmãos e amigos, entre outras consequências indesejadas: “O brilho diminuía/O ego me consumia/As falsas mulheres da noite/Amigos e abraços vazios…”, revela a quarta estrofe. Ao final, a música narra a retomada dos laços afetivos estremecidos, a descoberta do parceiro Amorim (com o qual passa a tocar em festas e outros eventos artístico culturais a partir de 2019) e já na fase adulta e amadurecido pelos próprios tombos, o autor reencontrado consigo constrói com a esposa Carmelita Dias sua própria família;  

A gravação de Trajetória atende um pedido da mãe de Élcio Dias, dona Naida. Escrita quando ele tinha 15 anos, a música é parecida com a faixa que batiza o álbum: a diferença entre ambas é a cadência rítmica. Cantiga de Sonhos é uma guarânia, Trajetória é mais pop; a dupla até inseriu a viola caipira nos arranjos para a composição ficar mais com a “cara” dos autores. Fala sobre a experiência frustrada de sair de casa para conhecer o mundo e encontrar pelo caminho determinadas pessoas. Quando o melhor talvez fosse ouvir os conselhos do mestre Cartola em O mundo é um moinho, a decisão não traz o que se esperava, gera decepções que frustram quem colocou o pé na estrada até o regresso ao lar depois desta trajetória infrutífera. Traz um pouco de fantasias misturadas a fatos reais;

Matuto (Élcio Dias) celebra a parceria de Élcio Dias e Paulo Amorim com o cantor, compositor e violeiro mineiro de São João Del Rey Chico Lobo, que participa da gravação cantando e tocando viola caipira. É de 2005. Foi composta para concorrer em um festival de canções promovido na Casa do Violeiro de Osasco, município próximo a Embu das Artes, ambos integrantes da região metropolitana de São Paulo. À época, Élcio Dias formava uma dupla com um amigo já de longa data, Juliano. Uma curiosidade sobre esta música: o coro de passarinhos que se ouve na introdução é real e foi captado ao vivo em um sítio de amigo antes de ser inserido na gravação.

A Beira do Abismo (Élcio Dias e Elisa Dias): Quem nunca curtiu uma “fossa” pule para a próxima faixa! Élcio Dias assina a melodia e compôs esta música, que tem jeito de pura sofrência, em parceria com a irmã Elisa Dias, cantora e compositora de carreira independente e que já participou de vários programas na televisão. A letra relata a tristeza provocada por lembranças de uma paixão perdida no passado, mas que deixou marcas profundas, trouxe um persistente sentimento de solidão em um homem que se sente fadado a enfrentar noites frias — como se atravessasse um interminável inverno — em uma casa vazia e escura — que ele compara a uma gaiola na qual, tal qual um passarinho, está aprisionado e não consegue bater asas para fora e além do próprio ninho. Com o coração em pedaços e feito estilhaços caídos pelo chão, ele sonha com a chegada de um novo tempo, uma estação comparável à primavera para que possa, enfim, renascer e se libertar do fadário que o consome;

Usina de Prata é uma das canções compostas por Rosinha de Valença, nome artístico de Maria Rosa Canellas (1941-2004), natural da fluminense Valença, descoberta pelo cronista Sérgio Porto em 1963 (que dizia: “ela canta e toca por uma cidade inteira!”) e foi uma das maiores violonistas brasileiras de todos os tempos. Está em Cheiro de Mato, vinil gravado por Rosinha de Valença em 1976 (EMI Odeon), com capa de Elifas Andreato. Além de Élcio Dias e Paulo Amorim, Usina de Prata também encantou Maria Bethânia, Ney Matogrosso e Noel Andrade, por exemplo. Bethânia a incluiu no disco e na turnê de Tempo, Tempo, Tempo (2005); o astro da extinta banda Secos & Molhados a escolheu como uma faz faixas de Bandido (1976); mais recentemente, Noel Andrade a elegeu a preferida para abrir seu álbum de estreia, Charrua, de 2012;

Serafim e Seus Filhos, uma clássica composição do cancioneiro brasileiro, foi gravada pela primeira vez no álbum Em busca do ouro (1971), mas estourou como sucesso nacional apenas dois anos depois ao ponto de ser regravada, em 1974, desta vez em Nem Ouro, Nem Prata. Ambos os discos são do saudoso cantor e compositor fluminense Ruy Maurity (que a compôs em parceria com José Jorge Miquinoty). Narra a história de um bando de ladrões gaúchos de gado, cujo líder, Serafim, gerou quatro filhos. A música impressiona pelo compasso de guarânia e por sua beleza, fazendo contrapondo com a surpresa no desfecho da história revelada na canção. É interpretada, entre outros expoentes, por Sérgio Reis em Retrato Do Meu Sertão (1976) e, em 2003, ao vivo, no disco Viola e Violeiros, Sérgio Reis e Filhos;

Rio de Lágrimas é uma moda de viola amada pelo público. Composta em 1970, com letra de Lourival dos Santos e melodia de Tião Carreiro e Piraci, está no elepê A Força do Perdão, de Tião Carreiro & Pardinho. Parte da memória afetiva de várias gerações, regravada por diversas duplas e cantores como Adauto Santos (Varanda Sertaneja, 1997), Almir Sater (Cria, 1996, e várias coletâneas do sul mato-grossense) e Martinho da Vila (Voz e Coração, 2002), faz referência ao rio que corta e dá nome à cidade localizada no Interior paulista. Hino da música caipira e, embora não oficialmente da própria Piracicaba (que ganhou por conta dela o título de Capital da Música Sertaneja), completou 50 anos em 2020. A regravação de Élcio Dias e Paulo Amorim ganhou uma inédita declamação na voz de Paulinho Del Ribeiro, apresentador do programa Canto e Sabor do Brasil, da TV Brasil, amigo fraterno da dupla.

Uma curiosidade sobre Rio de Lágrimas: foi Ana Maria de Andrade Franco inspirou Lourival dos Santos a escrever a letra. A musa, contudo, ressalvou em entrevista para o G1 em 2015 que não viveu um romance com o compositor, muito amigo da sua família. Ana Maria é irmã de Craveiro e Cravinho, dupla de violeiros que também gravou uma das interpretações de Rio de Lágrimas;

Luar do Sertão, no segundo álbum de Élcio Dias e Paulo Amorim, também vem embalada por uma inusitada releitura em sua interpretação e uma declamação aos cuidados de Wandi Doratiotto, escritor, membro da banda Premeditando o Breque e apresentador do extinto programa Bem Brasil, da TV Cultura. Uma das mais consagradas toadas brasileiras, Luar do Sertão traz versos simples e ingênuos que revelam entre outras belezas e frugalidades da vida no sertão o encantamento proporcionado por uma noite iluminada pelo nosso satélite natural. A poética e romântica música guarda uma polêmica: originalmente seria Engenho de Humaitá, coco de autor anônimo. O maranhense Catulo da Paixão Cearense (1863-1946) defendeu enquanto viveu que seria o autor único de Luar do Sertão, mas hoje em dia ao menos o crédito da melodia desta que é uma das músicas mais gravadas em todos os tempos também vai para seu contemporâneo João Pernambuco, nome artístico de João Pernambuco (1883-1947). 

Engenho de Humaitá integrava o repertório de Pernambuco. Como tantos outros temas, teria sido por ele transmitido a Catulo, apontam depoimentos de Heitor Villa-Lobos, Mozart de Araújo, Sílvio Salema e Benjamin de Oliveira, publicados por Henrique Foréis Domingues no livro No tempo de Noel Rosa. Leandro Carvalho, estudioso da obra do pernambucano e organizador do disco João Pernambuco – O Poeta do Violão (1997), não amenizou a possibilidade de plágio e declarou: “Por onde João andava, Catulo estava atrás, anotando tudo; foi o que aconteceu com Luar do Sertão: Catulo ouviu, mudou a letra e disse que era sua”.

Controvérsias à parte, Luar do Sertão, agora interpretada por Élcio Dias e Paulo Amorim com novos arranjos e estilo, consta no repertório de pelo menos 28 álbuns listados em https://discografia.discosdobrasil.com.br/musica/2489. Entre os que a regravaram, estão, por exemplo, Maria Bethânia, Jair Rodrigues, Duo Viola e Acordeon (os gaúchos Valdir Verona e Rafael de Boni), Inezita Barroso, Roberto Corrêa, Leandro Carvalho, Heraldo do Monte, Quinteto Violado, Luiz Gonzaga e Baden Powell; 

Cabocla Tereza é um dos mais conhecidos sucessos caipiras desde 1940, quando foi composta por João Baptista da Silva, o João Pacífico (1909-1998), natural de Cordeirópolis (SP), e Raul Torres (1906-1970), paulista de Botucatu, que primeiro a gravou formando a dupla Torres e Florêncio (João Baptista Pinho, 1910-1970), cujo berço foi Barretos (SP). É uma “toada histórica” segundo a definição de José Hamilton Ribeiro no livro, música que começa com uma declamação que antecede o drama e o desfecho trágico revelado pela letra — hoje fortemente condenada por alguns setores sociais porque glamourizaria um feminicidio, crime hediondo que, apesar de chocar a atual geração, ainda gera casos rumorosos no dia a dia. 

A arte, contudo, é também um espelho da vida e, com certeza, Pacífico e Torres jamais pensaram em naturalizar a morte de uma mulher “em nome da honra” de homens traídos.  Obviamente esta também não é a intenção de Élcio Dias e Paulo Amorim, que inclusive revelaram terem enfrentado nos seios familiares fortes resistências pela regravação. 

Devido ao extremo sucesso, Cabocla Tereza fez sucesso nas vozes de muitos violeiros e duplas caipiras brasileiras, entre os quais Tonico e Tinoco (a dupla “Coração do Brasil”), e o Duo Glacial (irmãos Miguel Cerván Vidal e Ana Cerván Vidal) e Eduardo Costa. Em 1978, a história chegou ao cinema em filme no qual o caboclo homicida também teria matado o rival que levava Tereza quando foram surpreendidos ainda na tapera. A película, dirigido e protagonizada por Sebastião Pereira, apresentou Zélia Martins no papel de Tereza e contou, ainda, com a participação especial de Jofre Soares. Na música de Pacífico, entretanto, não há referência ao segundo assassinato e nesta releitura de Élcio Dias e Amorim o assassino, além de identificado, é um ser mítico.

Meu Primeiro Amor, do paraguaio Hermínio Gimenez (1905- 1991), com versão de José Fortuna e Pinheirinho, gravada em 78 rotações, em 1950, integra um dos lados do álbum que registrou um dos maiores recordes de vendas de um disco caipira em todos os tempos da indústria fonográfica. A dupla responsável pelo fenômeno, Cascatinha e Inhana, formada pelo casal Francisco dos Santos e Ana Eufrosina da Silva, interpretou-a juntamente com a guarânia Índia — que, de acordo com as informações disponíveis, ajudou a vender 300 mil cópias em seu primeiro ano de lançamento e até a segunda metade dos anos 1990 atingiu mais de 3 milhões de exemplares. Uma das regravações está em Pedras que Cantam, disco que Fagner lançou em 1991, com participação de Joanna. Neste disco do cantor cearense e em outras versões o título da música de Gimenez ganhou o acréscimo da palavra Lejania como forma de diferenciá-la de outras composições homônimas e nada brilhantes como a original;

Carreiro Velho marca o retorno de Élcio Dias e Amorim ao repertório consagrado por Pena Branca e Xavantinho, manancial do qual a dupla selecionou outras 16 composições para o seu primeiro álbum (lançado pela Kuarup em 2020), com belas interpretações de sucessos nas vozes de José Ramiro Sobrinho (Pena Branca) e Ranulfo Ramiro da Silva (Xavantinho), os “mano véio” de Igarapava (SP) e Uberlândia (MG), respectivamente. De autoria de Tião Carreiro e Pardinho, Carreiro Velho é uma das faixas do álbum de Pena Branca e Xavantinho Coração Matuto (2010) e foi incluída no repertório de Cantiga de Sonhos a pedido do ator, compositor e cantor Jackson Antunes, amigo e um dos padrinhos da dupla ao lado de Chico Lobo, com os quais Dias e Amorim sempre se aconselham em busca de opiniões para a escolha de repertórios.

Sobre Élcio Dias & Amorim

Amorim nasceu em 1981 na zona rural de Aracatu (BA) e recebeu o nome Gildécio José de Amorim. Quando ainda tinha 7 anos de idade, o hábito de ouvir rádio ao lado do pai fez despertar no garoto a paixão que ainda hoje alimenta pela música sertaneja raiz. À medida que Amorim espichava veio sua aproximação por manifestações populares como a Folia de Reis, tradição seguida com devoção pela família paterna, formada por foliões.  Neste ambiente, a flauta foi o primeiro instrumento musical ao qual se dedicou, antes de aprender também a tocar percussão. 

Com 15 anos, Amorim migrou para São Paulo em busca dos mesmos objetivos que há varias gerações atraem nordestinos para os grandes centros do Sudeste: trabalhar e estudar. Teve competência e sorte de não ser apenas mais um Raimundo que, não durou um ano, se perdeu. E a desigual labuta pelo próprio sustento desde a adolescência, combinada à necessidade de progredir em seu aprendizado para se firmar, não apagou a chama musical que trouxera do sertão baiano. Aos 18, pode comprar um cavaquinho, seu primeiro instrumento de corda, antecessor do violão. Neste momento era o dedicado funcionário que ralou durante dez anos em uma fábrica de vasos de terracota**, da qual após bater o cartão ao final dos expedientes ia sem escalas para os bancos escolares. 

Apesar da dupla jornada, Amorim ainda conseguia “arrumar um tempinho” para se dedicar à música e aos cortejos de reisado que embalam as festas devocionais no ciclo natalino em Aracatu.  Em seus retornos para a Boa Terra a cada novo final de ano, o filho pródigo reforçou pelas ruas da cidade natal as saídas do grupo familiar de Folia de Reis, alternado os cantos tanto em primeira, quanto em segunda voz, habilidade que se tornou uma de suas marcas como cantor.  Aos 22 anos, o folião ultrapassou outra barreira, a dos concorridos vestibulares. Ingressou em uma Universidade***, onde, ainda no segundo ano da Licenciatura em Matemática, passou a compartilhar como professor o que já aprendera. Neste nobre ofício, Amorim adicionou seus 12 anos vestindo avental e ajudando a elucidar equações a mais dois como coordenar de escola estadual e a um novo diploma de nível superior, em Pedagogia. O resultado da soma destes fatores em progressão geométrica o habilitou a assumir o atual cargo de vice-diretor que exerce na PEI Nelson Antônio do Nascimento (Jardim São Marcos/Embu das Artes). 

Hoje, quando não está imerso em sua rotina de dirigente escolar, Amorim afina as cordas de um dos seus instrumentos prediletos e que toca nos dois álbuns da carreira lançados pela Kuarup: a viola caipira, instrumento que comprou aos 32 anos e com o qual formou duplas com um primo (por dois anos) e um professor amigo chamado João (por mais doze meses). Ao protagonizar projetos musicais, sarais e integrar corais das escolas nas quais trabalhou, além de cantar paralelamente em bares da região embuense, Amorim recorda com orgulho que em festivais teve o privilégio de conhecer, por exemplo, duplas como Joaquim & Manuel e Jacó e Jacozinho. 

Desde 2019, Amorim está na estrada com Élcio Dias. De alta potência como o companheiro, Dias atualmente leciona Artes, Projeto de Vida e Itinerários Formativos, Tradições Culturais, Preservação e Conservação do Patrimônio Material e Imaterial na PEI Rodolfo José da Costa e Silva (Jardim Mimas, Embu das Artes). Seu primeiro contato com a música ocorreu por meio do pai, Edson Silva Souza. Dias conta que o pai sempre gostou de música e se lembra de que, ao nascer, em sua casa já havia instrumentos musicais, sobretudo de percussão. Edson  integrava um grupo de samba e também era violonista. Para a zanga do pai, o curioso menino adorava mexer no violão dele. Ao notar que as broncas não surtiam efeito, o genitor comprou para o teimoso filho um velho cavaquinho, mas como também possuía uma guitarra, trocou-a por um teclado. “Ah, minha vida mudou para sempre!”, comentou Élcio ao se recordar do regalo, antes de revelar: “A primeira vez que tive a oportunidade de tocar, foi como mágica: já sai tocando Asa Branca, Cidade Maravilhosa, o tema do Ayrton Senna e tudo que eu alimentava de memória musical naquele momento. Todos ficaram assustados, inclusive eu!”

A surpresa fica menor quando se sabe que com apenas 9 anos de idade Élcio Dias já cantava em uma lanchonete situada no bairro Jardim Vazame e dali em diante participou de vários festivais e shows de música sertaneja. Faturou o 5º lugar de um festival em Carapicuíba, em 1995 e em 1996, e não demorou muito arrebatou o primeiro lugar no Festival Voz de Ouro, promovido no Teatro Elis Regina do Palácio das Convenções do Anhembi, na cidade de São Paulo. Depois concorreu nos festivais Vila das Belezas e de Piracicaba, e gravou quatro álbuns e um DVD, todos independentes, entre 1997 e 2015: Águas Cristalinas; Sem Pensar Em Você; Do Fundo do Meu Coração; Me Leva Pra Casa; e Um Novo Cara. Em 2005, formou-se em Música pela Faculdade Paulista de Artes e dois anos depois vendeu 6.000 cópias de Sem Pensar em Você. 

ADMIRAÇÃO MÚTUA

Luiz Gonzaga, Pena Branca e Xavantinho. Rolando Boldrin, Zé Mulato e Cassiano, Sérgio Reis. Renato Teixeira, Almir Sater, Tonico e Tinoco, Liu e Léu, Tião Carreiro e Pardinho. Djavan, Guilherme Arantes, Odair José, Roberto Carlos, Chico Buarque, Caetano Veloso. Ney Matogrosso, Elomar, Xangai, Gilberto Gil. Martinho da Vila, Maria Bethânia, Chitãozinho & Xororó, Agnaldo Timóteo. Paulo Sérgio, Jair Rodrigues, Tim Maia, Erasmo Carlos. Emílio Santiago, Daniel, Jackson Antunes. Chico Lobo. É deste plural e copioso manancial que engloba vários gêneros da música popular brasileira de todos os tempos a límpida água que Élcio Dias bebe e cujas influências em grande parte também regam a formação musical do cantor multi-instrumentista Amorim.

Um destes expoentes do rico cancioneiro nacional acima mencionado, o mineiro Chico Lobo, também se orgulha de sua proximidade com o duo embuense, músicos em promissor início de trajetória e para os quais, por sinal, foi um dos primeiros a abrir os braços e as porteiras, colaborando decisivamente para revelar ao público mais uma joia da cultura popular do país. Além de sua participação especial em Matuto no disco Cantiga de Sonhos, Chico Lobo, um dos padrinhos da dupla ao lado de Jackson Antunes, também é parceiro de Élcio Dias e Amorim na canção Harmonia, que compôs em homenagem a Rolando Boldrin e apresentou pela primeira vez e ao vivo em 9 de dezembro de 2022, quando era ao lado deles uma das atrações da festa de 45 anos da Kuarup, promovida na cidade de São Paulo. Harmonia está no álbum comemorativo desta data, lançado exclusivamente nas plataformas digitais no final de março, e integrará também o repertório do álbum que marcará os 60 anos de vida e 40 da carreira de Lobo, já em produção.

A admiração do violeiro de São João Del Rey que está completando 40 anos de carreira por Elcio Dias e Amorim é recíproca, conforme evidencia o texto de Lobo, abaixo:

“Conheci Élcio Dias e Amorim através do álbum, que lançaram pela Kuarup, Élcio Dias e Amorim Cantam Pena Branca e Xavantinho. Tive uma relação muito próxima com a dupla de irmãos que marcou o Brasil e depois, mais estreita ainda, com o Pena Branca, por isso me encantei de imediato com estes jovens cantores recém-lançados pela gravadora paulistana. Pureza, uma combinação de voz perfeita, afinação, timbre lindo, entre outras virtudes, definem Elcio Dias e Amorim! Então veio à minha cabeça: Não há hoje uma dupla tão linda como esses dois de Embu das Artes!

Imediatamente fui às redes sociais e comecei a conversar com Élcio. E minha alegria foi grande quando ele disse que admirava muito meu trabalho! Quem nos apresentou pessoalmente um ao outro foi o próprio Pena Branca. Pronto: no calor do momento, a amizade já estava estabelecida e ficou no meu coração o desejo de me aproximar musicalmente deles e poder ajudá-los, de somar forças. Assim os convidei para gravar comigo a música Harmonia em meu álbum que vai ser lançado em breve, Chico Lobo 60 Anos. Ficou lindo!

Quando convidado pelo Alcides Ferreira, da Kuarup, para participar da festa de 45 anos da produtora e gravadora, imediatamente convidei Élcio Dias e Amorim para estarem ao meu lado. Foi um momento marcante naquela noite especial, ambos tiveram a chance de conhecer pessoas bacanas e muitos puderam ouvir ao vivo o belo dueto dele. Agora, para reafirmar nossa amizade, eles me convidaram pra cantar e colocar minha viola no Cantigas de Sonhos, na belíssima Matuto, o que com honra e alegria aceitei, pois o álbum está maravilhoso.

Poder estar ao lado dessa dupla tão única e especial só ressalta a palavra PARCERIA, no seu mais puro significado. Essa dupla me encantou!”

Chico Lobo

Músicas

  1. Cantigas de Sonhos

    Intérprete: Amorim, Élcio Dias Autoria: Élcio Dias

  2. Usina de Prata

    Intérprete: Amorim, Élcio Dias Autoria: Rosinha de Valença

  3. Serafim e Seus Filhos

    Intérprete: Amorim, Élcio Dias Autoria: José Jorge, Ruy Maurity

  4. Rio de Lágrimas

    Intérprete: Amorim, Élcio Dias Autoria: Lourival dos Santos, Piraci, Tião Carreiro Participações: Paulinho Del Ribeiro

  5. Matuto

    Intérprete: Amorim, Élcio Dias Autoria: Élcio Dias Participações: Chico Lobo

  6. À Beira do Abismo

    Intérprete: Amorim, Élcio Dias Autoria: Elisa Dias, Élcio Dias

  7. Luar do Sertão

    Intérprete: Amorim, Élcio Dias Autoria: Catulo da Paixão Cearense, João Pernambuco Participações: Wandi Doratiotto

  8. Meu Primeiro Amor

    Intérprete: Amorim, Élcio Dias Autoria: Herminio Gimenez, José Fortuna, Rafael Hida

  9. Cabocla Tereza

    Intérprete: Amorim, Élcio Dias Autoria: João Pacifico, Raul Torres

  10. Carreiro Velho

    Intérprete: Amorim, Élcio Dias Autoria: Xavantinho

  11. Trajetória

    Intérprete: Amorim, Élcio Dias Autoria: Élcio Dias